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'A viagem dos Magos' (1894), James Jacques-Joseph Tissot (1836-1902).
Brooklyn Museum, New York City. |
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Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs
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Um antigo documento conservado nos Arquivos Vaticanos lança uma certa
luz, embora indireta e sujeita a caução, sobre a pessoa dos Reis Magos
que foram adorar o Menino Jesus na Gruta de Belém. A informação foi
veiculada por muitos órgãos de imprensa e páginas da Internet.
O documento é conhecido como “A Revelação dos Magos”. Provavelmente seja
algum “apócrifo”, nome dado aos livros não incluídos pela Igreja
Católica na Bíblia. Portanto, não são “canônicos”, apesar de poderem ser
de algum autor sagrado.
“Canônico” deriva de “Cânon”, que é o catálogo de Livros Sagrados
admitidos pela Igreja Católica e que constituem a Bíblia. Este catálogo
está definitivamente encerrado e não sofrerá mais modificação.
Há uma série de argumentos profundos que justificam esta sábia decisão da Igreja.
Entretanto, uma extrema ponderação em apurar a verdade faz com que a
Igreja não recuse em bloco esses “apócrifos” e reconheça que pode haver
neles elementos históricos ou outros que ajudem à Fé.
Por isso mesmo, o Vaticano conserva a maior coleção mundial desses
“apócrifos”, e os põe à disposição dos críticos de todas as religiões
que queiram estudá-los.
A Igreja não tem medo de que possa sair qualquer coisa que desdoure a
integridade e a santidade da Bíblia. Antes bem, deseja ardentemente
encontrar qualquer dado que possa ajudar a melhor compreendê-la.
O apócrifo “A Revelação dos Magos” aparenta ser um relato de primeira
mão da viagem dos Reis do Oriente para homenagear o Filho de Deus.
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Reis Magos, Nicolás de Verdun (1130 – 1205).
Urna dos Reis Magos na catedral de Colônia |
Só recentemente foi traduzido do siríaco antigo. O mérito é do Dr. Brent
Landau, professor de Estudos Religiosos da Universidade de Oklahoma,
EUA, que dedicou dois anos para decifrar o frágil manuscrito.
Trata-se de uma cópia feita no século VIII a partir de algum original
perdido que, por sua vez, fora transcrito meio milênio antes. Portanto,
a fonte original desse apócrifo dos Reis Magos remonta a menos de um
século depois do Evangelho de São Mateus.
O documento levanta questões em extremo interessantes: quem foram ao
certo, os Reis Magos? Foram três? Quais eram seus nomes? De onde vieram?
Por quê?
Vejamos primeiro o que nos diz a única fonte digna de fé religiosa, o Evangelho de São Mateus:
“1. Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que magos vieram do oriente a Jerusalém.
“2. Perguntaram eles: Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-lo.
“3. A esta notícia, o rei Herodes ficou perturbado e toda Jerusalém com ele.
“4. Convocou os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo e indagou deles onde havia de nascer o Cristo.
“5. Disseram-lhe: Em Belém, na Judéia, porque assim foi escrito pelo profeta:
“6. E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as
cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu
povo(Miq 5,2).
“7. Herodes, então, chamou secretamente os magos e perguntou-lhes sobre a época exata em que o astro lhes tinha aparecido.
“8. E, enviando-os a Belém, disse: Ide e informai-vos bem a respeito do
menino. Quando o tiverdes encontrado, comunicai-me, para que eu também
vá adorá-lo.
“9. Tendo eles ouvido as palavras do rei, partiram. E eis que e estrela,
que tinham visto no oriente, os foi precedendo até chegar sobre o lugar
onde estava o menino e ali parou.
“10. A aparição daquela estrela os encheu de profunda alegria.
“11. Entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe.
Prostrando-se diante dele, o adoraram. Depois, abrindo seus tesouros,
ofereceram-lhe como presentes: ouro, incenso e mirra.
“12. Avisados em sonhos de não tornarem a Herodes, voltaram para sua terra por outro caminho.” (São Mateus, cap. 2, 1ss)
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Três Reis Magos, mosaico em San Apollinare Nuovo, Ravenna, Itália.
No muro da igreja, concluida em 569, lê-se os nomes dos três.
Apresentados com gorros frígios (chapéu originário da Ásia Menor.
No Irã era atributo do deus Mitra). |
A narração de São Mateus contém tudo o que é necessário para a Fé. Mas
com o beneplácito e a aprovação da Igreja a piedade popular acrescentou
muitos outros pormenores, que foram transmitidos por tradição oral e que
são aceitos sem contestação.
O que diz a Tradição sobre seu número, condição, proveniência e destino?
É aqui que entra o papel do grande São Beda, o Venerável (673-735),
Doutor da Igreja e monge beneditino nas abadias de São Pedro e São
Paulo em Wearmouth, e na de Jarrow, na Nortumbria, Inglaterra.
São Beda é uma das máximas autoridades dos primeiros tempos da Idade
Média pelo fato de ter recolhido relatos transmitidos oralmente pelos
Apóstolos aos seus sucessores, e destes aos seguintes.
São Beda é também considerado como fonte de primeira mão da história inglesa, sendo muito respeitado como historiador. Sua
História Eclesiástica do Povo Inglês (
Historia Ecclesiastica Gentis Anglorum) lhe rendeu o título de
Pai da História Inglesa.
No tratado
“Excerpta et Colletanea”, o Doutor da Igreja assim recolhe as tradições que chegaram até ele:
“Melquior era velho de setenta anos, de cabelos e barbas brancas, tendo
partido de Ur, terra dos Caldeus. Gaspar era moço, de vinte anos,
robusto e partira de uma distante região montanhosa, perto do Mar
Cáspio. E Baltasar era mouro, de barba cerrada e com quarenta anos,
partira do Golfo Pérsico, na Arábia Feliz”.
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Três Magos adoram o Menino Jesus.
Sarcófago romano dos primeiros tempos do cristianismo, Museu Vaticano. |
É, pois,
São Beda quem
por primeira vez escreveu o nome dos três. Nomes com significados precisos que nos ajudam a compreender suas personalidades.
Gaspar significa “aquele que vai inspecionar”; Melquior quer dizer: “Meu
Rei é Luz”, e Baltasar se traduz por “Deus manifesta o Rei”.
Para São Beda – como para os demais Doutores da Igreja que falaram deles
– os três representavam as três raças humanas existentes, em idades
diferentes.
Neste sentido, eles representavam os reis e os povos de todo o mundo.
Também seus presentes têm um significado simbólico. Melquior deu ao
Menino Jesus ouro, o que na Antiguidade queria dizer reconhecimento da
realeza, pois era presente reservado aos reis.
Gaspar ofereceu-Lhe incenso (ou olíbano), em reconhecimento da divindade. Este presente era reservado aos sacerdotes.
Por fim, Baltasar fez um tributo de mirra, em reconhecimento da
humanidade. Mas como a mirra é símbolo de sofrimento, vêem-se nela
preanunciadas as dores da Paixão redentora. A mirra era presente para um
profeta. Era usada para embalsamar corpos e representava simbolicamente
a imortalidade.
Desta maneira, temos o Menino Jesus reconhecido como Rei, Deus e Profeta pelas figuras que encarnavam toda a humanidade.
Em coerência com essa visão, a exegese católica interpreta a chegada dos Reis Magos como o cumprimento da profecia de David:
“Os reis de Társis e das ilhas lhe trarão presentes, os reis da Arábia e
de Sabá oferecer-lhe-ão seus dons. 11. Todos os reis hão de adorá-lo,
hão de servi-lo todas as nações”. (Sl. 71, 10-11) (P.S.: na numeração das traduções direto do hebraico, é o Sl. 72, 10-11).
Alguns especularam que talvez pelo menos um deles veio da terra de Shir (não identificada nos mapas modernos), na antiga China.
Em livro – escrito a título pessoal, portanto não sendo documento do
magistério eclesiástico – Joseph Ratzinger (S.S.Bento XVI) comenta que
“a promessa contida nestes textos [N.R.: Salmo 72,10] estende a
proveniência destes homens até ao extremo Ocidente (Tarsis, Tartessos em
Espanha), mas a tradição desenvolveu posteriormente este anúncio da
universalidade aos reinos de que eram soberanos, como reis dos três
continentes então conhecidos: África, Ásia e Europa”, segundo informou “Religión Digital” de Espanha.
A amplidão do leque de possibilidades geográficas fica patente neste comentário.
Tarsis ou Tartessos ficaria na Andaluzia, Espanha, especificamente em
“algum lugar compreendido entre Cádiz, Huelva e Sevilha”. Segundo o “
ABC”
de Madri, os sevilhanos acham que se Melquior, Gaspar e Baltasar fossem
andaluzes teriam se manifestado mais alegremente, teriam cantado
“sevilhanas” e levado pandeiros. A reação popular suscita um amável
sorriso.
O que foi depois dos Reis Magos?
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Reis Magos. Representam todas as raças.
Andrea Mantegna (1431-1506). J. Paul Getty Museum, Los Angeles. |
De acordo com uma tradição acolhida por São João Crisóstomo, Padre da
Igreja, os três Reis Magos foram posteriormente batizados pelo Apóstolo
São Tomé e trabalharam muito pela expansão da Fé (
Patrologia Grega, LVI, 644).
A fama de santidade dos Reis Magos chega até os nossos dias.
Seus restos são venerados na nave central da Catedral de Colônia,
Alemanha, em magnífica urna de ouro e de pedras preciosas que extasia os
visitantes.
As relíquias deles foram descobertas na Pérsia pela imperatriz Santa
Helena e levadas a Constantinopla, capital do Império Romano de Oriente.
Depois foram transferidas a outra capital imperial no Ocidente – Milão
–, até que foram guardadas definitivamente na Catedral de Colônia em
1163 (Acta SS., I, 323).
Por que eram "Magos"?
O nome “mago” era sinônimo de “sábio”. O tratamento dado a eles como
grandes eruditos, prudentes e judiciosos, provinha do fato de os
sacerdotes da Caldeia serem muito voltados para a consideração dos
astros com uma sabedoria que surpreende até hoje.
A eles devemos o início da ciência astronômica.
Sem dúvida, seu caráter de “magos”, reconhecido pelo Evangelho de São
Mateus, aponta para a área da civilização caldeia (cujo epicentro foi no
atual Iraque, mas incluiu diversos países vizinhos, entre eles o Irã).
Com a decadência moral, os “magos” caldeus viraram uma espécie de bruxos, divulgadores de toda espécie de superstições.
Os Três Reis Magos teriam sido os últimos sacerdotes honrados daquele
mundo pagão que aspiravam sinceramente conhecer o Salvador.
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Relicário dos Três Reis Magos, catedral de Colônia. |
Neste caso, foram exemplos arquetípicos do pagão de boa-fé que deseja
conhecer a verdadeira religião, e que assim que a encontra adere a ela
sem demoras nem restrições.
Foram "Reis"?
Discute-se também em que sentido podem ser chamados de “Reis”, pois não
se lhes conhece a procedência e menos ainda a localização do reino.
Porém, na Antiguidade, os patriarcas, ou chefes de grandes clãs, ou
grupos étnico-culturais, governavam com poderes próprios de um rei, sem
terem esse título ou equivalente. E seu reinado se concentrava sobre sua
hoste, por vezes nômade.
São João Damasceno não recusava que eles fossem descendentes de Set, terceiro filho de Adão.
E este pormenor nos leva de volta ao “apócrifo” do Vaticano.
A estrela que os guiou
O referido manuscrito estava na Biblioteca Vaticana havia pelo menos 250 anos, mas não se sabe mais nada de sua proveniência.
Está escrito em siríaco, língua falada pelos primeiros cristãos da Síria e ainda hoje, bem como do Iraque e do Irã.
O Prof. Landau acredita que no apócrifo entra muita imaginação. Mas, há
uma muito longa descrição das supostas práticas, culto e rituais dos
Reis Magos.
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Relicário dos Três Reis Magos, catedral de Colônia, Alemanha. |
Feitos, pois, os devidos descontos no apócrifo, lemos nele que Set,
terceiro filho de Adão, transmitiu uma profecia, talvez recebida de seu
pai, de que uma estrela apareceria para sinalizar o nascimento de Deus
encarnado num homem.
Prêmio a uma fidelidade de séculos
Gerações de Magos teriam aguardado durante milênios até a estrela aparecer, confiantes no aviso de Set.
Mistérios da fidelidade! Milênios aguardando, gerações morrendo na
esperança e transmitindo aos filhos o anúncio de um dia remoto em que o
mundo receberia o Salvador!
Segundo o Prof. Landau, o apócrifo diz que a estrela no fim
“transformou-se num pequeno ser luminoso de forma humana que foi Cristo,
na gruta de Belém”.
A afirmação não é procedente se a interpretarmos ao pé da letra. Mas,
levando em conta o estilo altamente poético do Oriente, poderíamos supor
que o brilho da estrela de Belém convergiu no Menino Jesus e
desapareceu.
E, de fato, depois de encontrar o Menino Deus, os Magos não mais viram a estrela.
Alertados por um anjo, voltaram por outro caminho às suas terras, como
ensina o Evangelho de São Mateus, que não mais menciona a estrela no
retorno.
Anúncio dos profetas e juízo de Padres e Doutores da Igreja
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Adoração dos Magos, Gentile da Fabriano (1370-1427). Galleria degli Uffizi, Florença |
A festa da adoração dos Reis Magos ao Menino Jesus recebeu o nome de
Epifania do Senhor. Epifania vem do grego: πιφάνεια que significa “aparição; fenômeno miraculoso”.
A festa se comemora no dia 6 de janeiro, ou seja, doze dias após o
Natal, ou 2 domingos após o Natal, dependendo do calendário litúrgico
usado.
“Andaram as gentes na tua luz e os reis no esplendor do teu nascimento”, profetizou Isaías (Is 60, 3).
E São Tomás de Aquino explica: ‘Os Magos foram as primícias dos gentios
que acreditaram em Cristo. E neles se manifestou, como um presságio, a
fé e a devoção das gentes que vieram a Cristo das mais remotas regiões’.
Santo Agostinho sublinha que eles procuraram com fé mais ardente Àquele
que punham de manifesto o clarão da estrela e a autoridade das
profecias.
São João Crisóstomo completa dizendo: “porque buscavam um Rei celeste,
embora nada descobrissem nele denotador da excelência real, contudo,
contentes com o só testemunho da estrela, adoraram-no”.
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