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O Encontro de Zé Pelintra com Lampião
Um dia desses, passeando por Aruanda, escutei um conto muito
interessante. Uma história sobre o encontro de Zé Pelintra com Lampião…
Dizem que tudo começou quando Zé Pelintra, malandro descolado na vida,
tentou aproximar – se de Maria Bonita, pois a achava uma mulher muito
atraente e forte, como ele gostava. Virgulino, ou melhor, Lampião, não
gostou nada da história e veio tirar satisfação com o Zé:
_Então
você é o tal do Zé Pelintra? Olha aqui cabra, devia te encher de bala,
mas não adianta…Tamo tudo morto já! Mas escuta bem, se tu mexer com a
Maria Bonita de novo, vou dá um jeito de te mandar pro inferno…
_Inferno? Hahahaha, eu entro e saiu de lá toda hora, num vai ser
novidade nenhuma pra mim!_ respondeu o malandro _ Além do mais, eu nem
sabia que a gracinha da “Maria” tinha um “esposo”! Então é por isso que
ela vive a me esnobar!
_Gracinha? Olha aqui cabra safado, tu dobre a
língua pra falar dela, se não tu vai conhecer quem é Lampião! _ disse
Virgulino puxando a peixeira, já que não era e nunca seria, um homem de
muita paciência.
_Que isso homem, tá me ameaçando? Você acha que
aqui tem bobo?_ e Zé Pelintra estralou os dedos, surgindo toda uma
falange de espíritos amigos do malandro, afinal ele conhecia a fama de
Lampião e sabia que a parada era dura.
Mas Lampião que também tinha
formado toda uma falange, ou bando, como ele gostava de chamar, assoviou
como nos tempos de sertão e toda um “bando” de cangaceiros chegaram
para participar da briga. A coisa parecia já não ter jeito, quando um
espírito simples, com um chapéu na cabeça, uma camisa branca, cabelos
enrolados, chegou dizendo:
_Oooooooxxxxxx! Mas o que que é isso
aqui? Compadre Lampião põe essa peixeira na bainha! Oxente Zé, tu não
mexeu com Maria Bonita de novo, foi? Mas eu num tinha te avisado,
ooooxx, recolhe essa navalha, vamo conversar camaradas…
_Nada de conversa, esse cabra mexeu com a minha honra, agora vai ter! _ Disse Lampião enfurecido!
_To te esperando olho de vidro! _ respondeu Zé Pelintra.
_Pera aí! Pela amizade que vocês dois tem por mim, “Severino da Bahia”, vamo baixar as armas e vamo conversar, agora!
Severino era um antigo babalorixá da Bahia, que conhecia os dois e
tinha muita afeição por ambos. Os dois por consideração a ele, afinal a
coisa que mais prezavam entre os homens era a amizade e lealdade,
baixaram as armas. Então Severino disse:
_Olha aqui Zé, esse é o
Virgulino Ferreira da Silva, o compadre Lampião, conhecido também como o
“Rei do Cangaço”. Ele foi o líder de um movimento, quando encarnado,
chamado Banditismo ou Cangaço, correndo todo o sertão nordestino com sua
revolta e luta por melhores condições de vida, distribuição de terras,
fim da fome e do coronelismo, etc. Mas sabe como é, cometeu muitos
abusos, acabou no fim desvirtuando e gerando muita violência…
_É,
isso é verdade. Com certeza a minha luta era justa, mas os meios pelo
qual lutei não foram, nem de longe, os melhores. Tem gente que diz que
Lampião era justiceiro, bem…Posso dizer que num fui tão justo assim_
disse Lampião assumindo um triste semblante.
_ Eu sei como é isso.
Também fui um homem que lutou contra toda exploração e sofrimento que o
pobre favelado sofria no Rio de Janeiro. Nasci no Sertão do Alagoas, mas
os melhores e piores momentos da minha vida foram no Rio de Janeiro
mesmo. Eu personificava a malandragem da época. Malandragem era um jeito
esperto, “esguio”, “ligeiro”, de driblar os problemas da vida, a fome, a
miséria, as tristezas, etc. Mas também cometi muitos excessos, fui por
muitas vezes demais violento e, apesar de morrer e terem me transformado
em herói, sei que não fui lá nem metade do que o povo diz_ dessa vez
era Zé Pelintra quem perdia seu tradicional sorriso de canto de boca e
dava vazão a sua angústia pessoal…
_Ooxx, tão vendo só, vocês tem
muitas semelhanças, são heróis para o povo encarnado, mas, aqui, pesando
os vossos atos, sabem que não foram tão bons assim. Todos têm senso de
justiça e lealdade muito grande, mas acabaram por trilhar um caminho de
dor e sangue que nunca levou e nunca levará a nada.
_É verdade, bem,
acho que você não é tão ruim quanto eu pensava Zé. Todo mundo pode
baixar as armas, de hoje em diante nós cangaceiros vamo respeitar Zé
Pelintra, afinal, lutou e morreu pelos mesmos ideias e com a mesma
angústia no coração que nós!
_ O mesmo digo eu! Aonde Lampião
precisar Zé Pelintra vai estar junto, pois eu posso ser malandro, mas
não sou traíra e nem falso. Gostei de você, e quem é meu amigo eu
acompanho até na morte.
_Oooooxxxxx! Hahahaha, mas até que enfim!
Tamo começando a nos entender. Além do mais, é bom vocês dois estarem
aqui, juntos com vossas falanges, porque eu queria conversar a respeito
de uma coisa! Sabe o que é…
E Severino falou, falou e falou…
Explicando que uma nova religião estava sendo fundada na Terra, por um
tal de Caboclo das Sete Encruzilhadas, uma religião que ampararia todos
os excluídos, os pobres, miseráveis e onde todo e qualquer espírito
poderia se manifestar para a caridade. Explicou que o culto aos amados
Pais e Mães Orixás que ele praticava quando estava encarnado iria se
renovar, e eles estavam amparando e regendo todo o processo de formação
da nova religião, a Umbanda…
_…é isso! Estamos precisando de pessoas
com força de vontade, coragem, garra para trabalhar nas muitas linhas
de Umbanda que serão formadas para prestar a caridade. E como eu fui
convidado a participar, resolvi convidar vocês também! Que acham?
_Olha, eu já tenho uma experiência disso lá no culto a Jurema Sagrada, o
Catimbó! Tô dentro, pode contar comigo! Eu, Zé Pelintra, vou estar
presente nessa nova religião chamada Umbanda, afinal, se ela num tem
preconceito em acolher um “negô” pobre, malandro e ignorante como eu,
então nela e por ela eu vou trabalhar. E que os Orixás nos protejam!
_Bem, eu num sô homem de negar batalha não! Também vou tá junto de
vocês, eu e todo o meu bando. Na força de “Padinho” Cícero e de todos os
Orixás, que eu nem conheço quem são, mas já gosto deles assim mesmo…
E o que era pra transformar – se em uma batalha sangrenta acabou
virando uma reunião de amigos. Nascia ali uma linha de Umbanda,
apadrinhada pelo baiano “Severino da Bahia”, pelo malandro mestre da
Jurema “Zé Pelintra” e pelo temido cangaceiro “Lampião”.
Junto deles
vinham diversas falange. Com o malandro Zé Pelintra vinham os outros
malandros lendários do Rio de Janeiro com seus nomes simbólicos: “Zé
Navalha”, “Sete Facadas”, “Zé da Madrugada”, “7 Navalhadas”, “Zé da
Lapa”, “Nego da Lapa”, entre muitos e muitos outros.
Junto com
Lampião vinha a força do cangaço nordestino: Corisco, Maria Bonita,
Jacinto, Raimundo, Cabeleira, Zé do Sertão, Sinhô Pereira, Xumbinho,
Sabino, etc.
Severino trazia toda uma linha de mestres baianos e
baianas: Zé do Coco, Zé da Lua, Simão do Bonfim, João do Coqueiro, Maria
das Graças, Maria das Candeias, Maria Conga, vixi num acaba mais…
Em homenagem ao irmão Severino, o intermediador que evitou a guerra
entre Zé Pelintra e Lampião, a linha foi batizada como “Linha dos
Baianos”, pois tanto Severino como seus principais amigos e
colaboradores eram “Baianos”.
E uma grande festa começou ao som do
tambor, do pandeiro e da viola, pois nascia ali a linha mais alegre,
mais divertida e “humana” da Umbanda. Uma linha que iria acolher a
qualquer um que quisesse lutar contra os abusos, contra a pobreza, a
injustiça, as diferenças sociais, uma linha que teria na amizade e no
companheirismo sua marca registrada. Uma linha de guerreiros, que um dia
excederam – se na força, mas que hoje lutavam com as mesmas armas,
agora guiados pela bandeira branca de Oxalá.
E, de repente, no meio
da festa, raios, trovões e uma enorme tempestade começaram a cair. Era
Iansã que abençoava todo aquele povo sofrido e batalhador, igualzinho ao
povo brasileiro. A Deusa dos raios e dos ventos acolhia em seus braços
todas aqueles espíritos, guerreiros como ela, que lutavam por mais
igualdade e amor no nosso dia – dia.
E assim acaba a história que eu
ouvi, diretamente de um preto – velho, um dia desses em Aruanda. Dizem
que Zé Pelintra continua tendo uma queda por “Maria Bonita”, mas deixou
isso de lado devido ao respeito que tem pelo irmão Lampião. Falam,
ainda, que no momento ele “namora” uma Pombagira, que conheceu quando
começou a trabalhar dentro das linhas de Umbanda. Por isso é que ele
“baixa”, às vezes, disfarçado de Exu…
“Oxente eu sou baiano, oxente baiano eu sou
Oxente eu sou baiano, baiano trabalhador
Venho junto de Corisco, Maria Bonita e Lampião
Trabalhar com Zé Pelintra
Pra ajudar os meus irmãos…!”
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