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O que ele fez antes dos 30 anos? A Bíblia não conta. Mas a história e a arqueologia têm muito a dizer
O Novo Testamento contém 27 livros, 7 956 versículos e 138 020
palavras. E uma única referência à juventude de Jesus. O Evangelho de
Lucas nos conta que, aos 12 anos, ele viajou com os pais de Nazaré a
Jerusalém para celebrar o Pessach, a Páscoa judaica. Quando José e Maria
retornavam a Nazaré, perceberam que Jesus tinha ficado para trás.
Procuraram o garoto durante 3 dias e decidiram voltar ao Templo, onde o
encontraram discutindo religião com os sacerdotes. "E todos que o ouviam
se admiravam com sua inteligência" (Lucas 2:42-49).
Isso é tudo. Jesus só volta a aparecer no relato bíblico já adulto, por
volta dos 30 anos, ao ser batizado no rio Jordão por João Batista. É
quando o conhecemos realmente. Da infância, as Escrituras falam sobre o
nascimento em Belém, a fuga com os pais para o Egito - para escapar de
uma sentença de morte impetrada por Herodes, rei dos judeus - e a volta
para Nazaré. Da vida adulta, o ajuntamento dos apóstolos e a pregação na
Galileia, além do julgamento e da morte em Jerusalém. Mas o que
aconteceu com Jesus entre os 12 e os 30 anos? Qual foi sua formação, o
que moldou seu pensamento nesses 18 "anos ocultos"? Afinal, o que ele
fez antes de profetizar na Galileia?
A notícia para quem deseja reconstruir o Jesus histórico é que novas
análises dos Evangelhos, documentos históricos e achados arqueológicos
nos dão pistas sobre a sociedade da época. E dessa forma podemos chegar
mais perto de conhecer o homem de Nazaré. E entender o que passava em
sua cabeça.
O pedreiro cheio de irmãos
Uma coisa é certa. Aos 13 anos, Jesus celebrou o bar mitzvah, ritual que
marca a maioridade religiosa do judeu. E é bem provável que ele tenha
seguido a profissão de José, seu pai. Carpinteiro? Talvez não. "Em
Marcos, o mais antigo dos Evangelhos, Jesus é chamado de tekton, que no
grego do século 1 designava um trabalhador do tipo pedreiro, não
necessariamente carpinteiro", diz John Dominique Crossan, um dos maiores
especialistas sobre o tema. Para o historiador, os autores de Mateus e
Lucas, que se basearam em Marcos, parecem ter ficado constrangidos com a
baixa formação de Jesus. E deram um jeito de melhorar a coisa. Mateus
(13:55) diz que o pai de Jesus é que era tekton. E Lucas omitiu todo o
versículo.
As mesmas passagens de Marcos e Mateus informam que Jesus tinha 4 irmãos
(Tiago, José, Simão e Judas), além de irmãs (não nomeadas). Mas dá para
ir mais longe a partir dessa informação. "Se os nomes dos Evangelhos
estão corretos, a família de Jesus era muito orgulhosa da tradição
judaica. Seus 4 irmãos tinham nomes de fundadores da nação de Israel",
diz a historiadora Paula Fredriksen, da Universidade de Boston. "Seu
próprio nome em aramaico, Yeshua, recordava o homem que teria sido o
braço direito de Moisés e liderado os israelitas no êxodo do Egito, mais
de mil anos antes."
Assim, a família teria pelo menos 9 pessoas, mas nem por isso era pobre.
Nazaré ficava a apenas 8 km de Séforis - um grande centro comercial
onde o rei Herodes, o Grande, governava a serviço de Roma. Com a morte
dele, em 4 a.C., militantes judeus se revoltaram contra a ordem
política. Deu errado: o general romano Varus chegou da Síria para
reprimir os rebeldes. E seu amigo Gaio completou o serviço, queimando a
cidade. "Homens foram mortos, mulheres estupradas e crianças
escravizadas", diz Crossan. Mas a destruição de Séforis teve um lado
positivo: Herodes Antipas, filho do "o Grande", transformou o lugar num
canteiro de obras. Isso trouxe uma certa abundância de empregos para a
região. Um pequeno boom econômico. Então o ambiente ao redor da família
de Jesus não era de privações. "A reconstrução da cidade deve ter gerado
muito trabalho para José", diz Paula Fredriksen.
Jesus nasceu no ano da destruição da cidade, 4 a.C. Ou perto disso. O
Evangelho de Mateus diz que Jesus nasceu no tempo de Herodes, o Grande
(4 a.C. ou antes). Lucas coloca o nascimento na época do primeiro censo
que o Império Romano promoveu na Judeia. E isso aconteceu, segundo as
fontes históricas romanas, em 6 a.C. A única certeza, enfim, é que "foi
por aí" que Jesus nasceu. E que o ódio contra o que os romanos tinham
feito em Séforis permeava o ambiente onde ele viveu. "Não é difícil
imaginar que Jesus pensou muito sobre os romanos enquanto crescia", diz
Crossan.
Na década de 20 d.C., quando Jesus estava nos seus 20 e poucos anos, o
sentimento antirromano cresceu mais ainda. Pôncio Pilatos assumiu o
governo da Judéia cometendo o maior pecado que poderia: desdenhar da fé
dos judeus no Deus único.
Mas, em vez de se unir contra o romano, os judeus se dividiram em
seitas. Os saduceus, por exemplo, eram os mais conservadores. Os
fariseus eram abertos a ideias novas, como a ressurreição - quando os
justos se ergueriam das tumbas para compartilhar o triunfo final de
Deus. Os essênios viviam como se o fim dos tempos já tivesse começado:
moravam em comunidades isoladas, que faziam refeições em conjunto
seguindo estritas leis de pureza. Já os zelotes defendiam a luta armada
contra os romanos.
Em qual dessas seitas Jesus se engajou na juventude? Não há consenso
entre os pesquisadores. Para alguns, porém, existem semelhanças entre a
dos essênios e o movimento que Jesus fundaria - ambas as comunidades
viviam sem bens privados, num regime de pobreza voluntária, e chamavam
Deus de "pai". Essa hipótese ganhou força com a descoberta dos
Manuscritos do Mar Morto, em 1947. Eles trouxeram detalhes sobre uma
comunidade asceta de Qumran, que viveu no século 1 e estaria associada
aos essênios. O achado ar-queológico não provou a ligação entre Jesus e
essa seita. Até porque os essênios eram sujeitos reclusos, ao passo que
Jesus foi pregar entre as massas da Galileia e Jerusalém.
Jesus podia não ser essênio. Mas, para alguns estudiosos, seu mentor foi.
João, o mestre
Dois dos 4 Evangelhos começam a falar de João Batista antes de mencionar
Jesus. É em Marcos e João. O homem que batizaria Cristo aparece
descrito como um profeta que se vestia como um homem das cavernas ("em
pelos de camelo") e que vivia abaixo de qualquer linha de pobreza
traçável ("comia gafanhotos e mel silvestre").
Continue lendo a Matéria Clicando em "Mais informações" logo Abaixo
Para a historiadora britânica Karen Armstrong, outra grande especialista
no tema, isso indica que João pode ter sido um essênio. A vocação "de
esquerda" que Jesus mostraria mais tarde, inclusive, pode vir da ligação
do mestre João com a "sociedade alternativa" dos essênios. "É mais
fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que entrar um rico
no reino de Deus", ele diria mais tarde.
Os Evangelhos não falam de João como mestre de Jesus. Nada disso. Ele
apenas reconhece Jesus como o Messias na primeira vez que o vê. Os
textos sagrados também informam que ele usava o batismo como expediente
para purificar seus seguidores, que deviam confessar seus pecados e
fazer votos de uma vida honesta.
Então Jesus aparece pedindo para ser batizado. Na Bíblia, esse é o
primeiro momento em que vemos o Messias após aqueles 18 anos de
ausência.
Depois de purificado nas águas do rio Jordão, Jesus parte para sua vida
de pregação, curas e milagres. A vida que todos conhecem.
Para quem entende esse relato à luz da fé, isso basta. Mas é pouco para
quem tenta montar um panorama da vida de Jesus, um retrato puramente
histórico de quem, afinal, foi o homem da Galileia que sairia da vida
para entrar na Bíblia como o Deus encarnado. E uma possibilidade é que
Jesus tenha sido um discípulo de João Batista. Discípulo e sucessor.
As evidências: tal como João Batista, Jesus via o mundo dividido entre
forças do bem e do mal. E anunciava que Deus logo interviria para acabar
com o sofrimento e inaugurar uma era de bondade. Em suma: tanto um como
o outro eram o que os pesquisadores chamam de "profetas apocalípticos".
E se os Evangelhos jogam tanta luz sobre João Batista (Lucas fala
inclusive sobre o nascimento do profeta, assim como faz com Jesus), a
possibilidade de que a relação deles tenha sido mais profunda é real.
O grande momento de oão Batista na Bíblia, porém, não é o batismo de
Jesus. É a sua própria morte. Morte que abriria as portas para o nosso
Yeshua, o Jesus da vida real, começar o que começou.
E Yeshua vira Cristo
João Batista podia se vestir com pele de animal e se alimentar de
gafanhotos. Mas tinha a influência de um grande líder político. Prova
disso é que morreu por ordem direta de Antipas. O Herodes júnior tinha
violado o 10º mandamento da lei judaica: "Não cobiçarás a mulher do
próximo". Não só estava cobiçando como estava de casamento marcado com a
ex-mulher do irmão, Felipe. João condenou a atitude do rei
publicamente. E acabou executado.
Mateus deixa claro como Jesus, então já com seus 12 discípulos e em
plena pregação, recebeu a notícia: "Ouvindo isto, retirou-se dali para
um lugar deserto, apartado; e, sabendo-o o povo, seguiu-o a pé desde as
cidades". Logo na sequência, o Cristo emenda o maior de seus milagres.
Sentido com a fome da multidão que ia atrás dele, pegou 5 pães e dois
peixes (tudo o que os apóstolos tinham) e foi dividindo. Passava os
pedaços aos discípulos, e os discípulos à multidão. "E os que comeram
foram quase 5 mil homens, além das mulheres e crianças" (Mateus 14:21).
Horas depois, no meio da madrugada, outro milagre de primeiro escalão:
Jesus apareceria para os apóstolos andando sobre as águas.
Esses episódios, claro, são parte da vida conhecida de Jesus (ou da
mitologia cristã, em termos técnicos). Mas deixam claro: a morte de João
foi importante a ponto de ter sido seguida de dois dos grandes
episódios da saga de Cristo.
O filho do pedreiro assumiria o vácuo religioso deixado pelo profeta.
Agora sim: Yeshua caminharia com as próprias pernas. E começaria a virar
Jesus Cristo. "Ele não só assumiu o manto de João, mas alterou sua
doutrina. A diferença interessante entre João Batista e Jesus Cristo é
que Jesus ergueu o manto caído de Batista e continuou seu programa
mudando radicalmente sua visão", diz Crossan.
Ele continua: "João dizia que Deus estava chegando. Mas João foi
executado e Deus não veio". Ou seja: para o pesquisador, Jesus teria
ficado tão chocado ante a não-intervenção divina que mudou sua visão
sobre o que o Reino de Deus significava.
"João Batista havia imaginado uma intervenção unilateral de Deus. Jesus
imaginou uma cooperação bilateral: as pessoas deveriam agir em
combinação com Deus para que o novo reino chegasse", diz o pesquisador.
Ou seja: não adiantaria esperar de braços cruzados. O negócio era fazer o
Reino dos Céus aqui e agora. Como? Primeiro, extinguindo a violência.
Mas e se alguém me der um soco, senhor? "Ao que te ferir numa face,
oferece-lhe também a outra" (Lucas 6:29). Depois, amando ao próximo como
a ti mesmo, ajudando ao pior inimigo se for necessário, como fez o bom
samaritano da parábola famosa... Em suma, a essência da doutrina cristã.
A natividade
Agora, um aparte: chamar de "anos ocultos" apenas a juventude de Jesus é
injustiça. O nascimento também é uma incógnita completa. A começar pela
data de nascimento: 25 de dezembro era a data em que os romanos
celebravam sua festa de solstício de inverno, a noite mais longa do ano.
Não porque gostassem de noites sem fim, mas porque ela marcava o começo
do fim do inverno. Praticamente todos os povos comemoram esse
acontecimento desde o início da civilização - nossas festas de fim de
ano, a semana entre o Natal e o Ano-Novo são um reflexo disso. O dia em
que Jesus nasceu não consta na Bíblia - foi uma imposição da Igreja 5
séculos depois, para coincidir o nascimento do Messias com a festa que
já acontecia mesmo - com troca de presentes e tudo.
"Na verdade, não sabemos nada histórico sobre Jesus antes de sua vida
pública, já que os dois primeiros capítulos de Mateus e Lucas [os que
relatam o nascimento] são basicamente parábolas, não história", diz
Crossan. De acordo com Mateus, José soube num sonho que Maria daria à
luz um menino concebido pelo Espírito Santo. Quando Jesus nasce, magos
surgem do Oriente e seguem uma estrela que os conduz a Jerusalém. Lá,
eles ficam sabendo que o Cristo nasceu em Belém. Seguindo a estrela, os
magos chegam à cidade para adorar o menino e lhe regalam com ouro,
incenso e mirra. Mas Herodes fica perturbado com o nascimento e manda
soldados matarem todos os bebês de até 2 anos em Belém. Assim, José foge
com a família para o Egito e depois vai morar em Nazaré, na Galileia,
onde Jesus é criado.
"Não há nenhum relato, em qualquer fonte antiga, sobre o rei Herodes
massacrar crianças em Belém, ou em seus arredores, ou em qualquer outro
lugar. Nenhum outro autor, bíblico ou não, menciona isso", diz o teólogo
americano Bart D. Ehrman no livro Quem Foi Jesus? Quem Jesus Não Foi?
No relato de Lucas, o anjo Gabriel vai à casa de Maria, em Nazaré, e lhe
avisa que daria à luz um futuro rei. E que o "Filho de Deus" se
chamaria Jesus. Maria era uma virgem prometida a José, e o anjo lhe
explicou que o filho seria gerado pelo Espírito Santo. Lucas diz que
naquela época, "quando Quirino era governador da Síria", um decreto do
imperador Augusto obrigou os súditos a se registrar no primeiro censo do
Império. Todo mundo devia retornar à cidade de origem para se alistar.
Como os ancestrais de José eram de Belém, ele foi com Maria grávida para
lá. Jesus nasceu em Belém pouco depois, e foi envolvido em panos na
manjedoura. Lá o menino recebeu a visita de pastores e foi circuncidado
aos 8 dias, para depois passar a infância em Nazaré.
"Os problemas históricos em Lucas são ainda maiores", diz Ehrman. "Temos
registros do reinado de Augusto, e em nenhum deles há referência a um
censo para o qual todos teriam de se registrar retornando ao lar dos
ancestrais."
Ok, mas afinal por que Mateus e Lucas fazem Jesus nascer em Belém? Bom,
de acordo com uma profecia do livro de Miqueias, do Antigo Testamento, o
salvador viria de lá. Por que de lá? Porque era a cidade do rei Davi, o
mais lendário dos soberanos de Israel.
Depois que o general Pompeu invadiu a Judeia, em 63 a.C., e fez dela
província do Império Romano, os profetas passaram a dizer que um rei da
linhagem de Davi inauguraria o "reino de Deus". Chamavam essa figura de
"o ungido" - já que Davi e outros reis israelitas haviam sido ungidos
com óleo. Os Evangelhos foram escritos em grego, o inglês da época. E em
grego "ungido" é christos. O Cristo tinha que nascer em Belém. Yeshua
provavelmente era de Nazaré mesmo.
Os Evangelhos, por sinal, são obra de autores desconhecidos. É apenas
uma convenção dizer que foram escritos por Marcos (secretário do
apóstolo Pedro), Mateus (o coletor de impostos), João (o "discípulo
amado") e Lucas (o companheiro de viagem de Paulo). Além disso, os
escritores não foram testemunhas oculares. "O autor de Marcos escreveu
por volta do ano 70. Mateus e Lucas, de 80. E João, no final dos 90",
diz Karen Armstrong. E claro: "Eram cristãos. Eles não estavam imunes a
distorcer as histórias à luz de suas crenças", diz Ehrman. Afinal,
"evangelho" deriva da palavra grega euangélion, que significa "boas
novas". O objetivo dos autores não era escrever a biografia de Jesus, e
sim propagar a nova fé. Levando isso em conta, chegamos a outra
polêmica: os anos considerados como os mais conhecidos da vida de Jesus
também são cheios de episódios misteriosos. Vejamos.
Yeshua sai da vida para entrar na Bíblia
Talvez tenha sido em busca de audiência que Yeshua rumou com os
discípulos da Galileia para Jerusalém, por volta do ano 30 d.C. Depois
de 3 anos pregando na periferia, já seria hora de atuar no palco
principal.
Jerusalém era o pivô do fermento espiritual judaico, e milhares de
judeus iam para lá na Páscoa. Os Evangelhos nos dizem que Jesus causou
um tumulto no local, destruindo as banquinhas de câmbio (que trocavam
moedas estrangeiras dos romeiros por dinheiro local cobrando uma
comissão), já que seria uma ofensa praticar o comércio em pleno Templo
de Jerusalém, o lugar mais sagrado da Terra para os judeus. Por
perturbar a ordem pública, ele foi condenado à cruz. Parece
historicamente sólido, mas o episódio central do Novo Testamento também é
fonte de reinterpretações.
No julgamento, por exemplo, a multidão teria pedido que Barrabás, um
assassino, fosse solto em vez de Jesus - já que era "costume" da Páscoa.
Esse costume, porém, não é mencionado em nenhum lugar, exceto nos
Evangelhos. Além disso, Jesus pode não ter sido exatamente crucificado,
mas "arvorificado". É a teoria (controversa, é verdade) do arqueólogo
Joe Zias, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Suas pesquisas indicam
que as vítimas dos romanos eram mais comumente crucificadas em árvores,
pregando uma tábua de madeira no tronco para prender os braços do
condenado. Seja como for, não há por que duvidar de que ele tenha sido
executado. Roma usava e abusava do expediente para tentar manter o
controle das regiões que conquistava. Segundo Flávio Josefo, historiador
judeu do século 1, numa só ocasião 2 mil judeus foram executados
A história de Jesus não acaba aí, claro. "Alguns discípulos estavam
convencidos de que ele ressuscitara. E que sua ressurreição anunciava os
últimos dias, quando os justos se reergueriam das tumbas", diz
Armstrong. Para esses judeus cristãos, Jesus logo retornaria para
inaugurar o novo reino. O líder do grupo era Tiago, irmão de Jesus, que
tinha boas relações com fariseus e essênios. E o movimento se expandiu.
Quando Tiago morreu, em 62, Jerusalém vivia o auge da crise política. Em
66, romanos perseguiram os judeus com medo de uma insurgência. Os
zelotes se rebelaram e conseguiram manter as tropas do Império afastadas
por 4 anos. Com medo de que a rebelião judaica se espalhasse, Roma
esmagou os revoltosos. Em 70, o imperador Vespasiano sitiou Jerusalém,
arrasou o Templo e deixou milhares de mortos.
"Não temos ideia de como seria o cristianismo se os romanos não tivessem
destruído o Templo", diz Armstrong. "Sua perda reverbera ao longo dos
livros que formam o Novo Testamento. Eles foram escritos em resposta à
tragédia."
Para os pesquisadores, então, os textos sagrados refletem a realidade da
Judeia do final do século 1 - e não a do início, a que Jesus viveu de
fato. Por exemplo: Barrabás personificaria os sicários, judeus que saíam
armados de punhais para matar romanos na calada da noite, como uma
forma de vingança pela destruição do Templo. E que por isso mesmo eram
assassinos amados pela população.
Quer dizer: Barrabás seria um personagem típico da década de 70 d.C.,
inserido no episódio da morte de Jesus, fato que aconteceu na década de
30 d.C, num momento em que o ódio aos romanos e o louvor a quem se
dispusesse a matá-los não eram tão violentos.
Até a época em que os Evangelhos foram escritos, o movimento de Jesus
era apenas um entre as várias seitas judaicas. Os primeiros cristãos se
diziam "o verdadeiro Israel" e não tinham intenção de romper com a
corrente principal do judaísmo. Mas tudo mudou com a destruição do
Templo.
Ela intensificou a rivalidade entre as facções judaicas. "Em sua ânsia
por alcançar o mundo gentio (o dos não-judeus), os autores dos
Evangelhos estavam dispostos a absolver os romanos da execução de Jesus e
declarar, com estridência crescente, que os judeus deviam carregar a
culpa", diz Armstrong. João, o Evangelho mais virulento, declara que os
judeus são "filhos do Diabo" (João 8:44). Até o autor de Lucas, que
tinha uma visão mais positiva do judaísmo, deixou claro que havia um bom
Israel (os seguidores de Jesus) e um Israel mau - os fariseus.
A rixa com os fariseus tem lógica, já que eram competidores diretos dos
judeus cristãos. "Num extremo do judaísmo estavam os saduceus, a ala
mais conservadora. No outro, os essênios, a mais radical. Já os fariseus
e os judeus cristãos estavam no meio. Eles lutavam pela mesma coisa: a
liderança do povo, que estava entre as duas pontas", diz Crossan.
Não é surpresa, aliás, que os livros do Novo Testamento contenham tantas
contradições entre si. "Quando os editores finais do Novo Testamento
juntaram esses textos, no início da Idade Média, não se incomodaram com
as discrepâncias. Jesus havia se tornado um fenômeno grande demais nas
mentes dos cristãos para ser atado a uma única definição", diz
Armstrong. Os Evangelhos atribuídos a Marcos, Lucas, Mateus e João
seriam finalmente selecionados para o cânon da Igreja. Dezenas de outros
evangelhos ficaram de fora.
Só no século 2, quase 100 anos após a morte de Jesus, começam a aparecer
relatos sobre ele no centro do Império. Um deles é uma carta do
político romano Plínio ao imperador Trajano. Plínio cita pessoas
conhecidas como "cristãs" que veneravam "Cristo como Deus". Outra fonte é
o historiador romano Tácito, que menciona os "cristãos (...),
conhecidos assim por causa de Cristo (...), executado pelo procurador
Pôncio Pilatos". Suetônio, que escreveu pouco depois de Tácito, informa
sobre uma perseguição de cristãos, "gente que havia abraçado uma nova e
perniciosa superstição". Uma "superstição" cuja mensagem convenceria
cada vez mais gente, a ponto de, no século 4, o imperador romano em
pessoa (Constantino, no caso) converter-se a ela. E o resto é história.
Uma história que chega ao seu segundo milênio. Com 2 bilhões de
seguidores.
Lost Years
Antes dos 30, Jesus provavelmente teve a mesma formação religiosa dos
judeus de sua época. Ou seja: seguia outro Jesus. Outro profeta.
16 anos
O jovem Yeshua (Jesus, em aramaico) tinha 4 irmãos homens e pelo menos
duas irmãs mulheres. E cresceu na cidade onde nasceu: Nazaré.
20 anos
Ele pode não ter sido carpinteiro, mas pedreiro. O engano de 2 mil anos seria culpa de um erro de tradução.
28 anos
Na Bíblia, o profeta João apenas batiza Cristo. O mais provável, porém, é que ele tenha sido o grande mentor do jovem Yeshua.
33 anos
Os romanos crucificavam em massa. E também usavam árvores como base. Esse pode ter sido o cenário da morte de Jesus.
O outro Jesus
A Bíblia não diz por onde andou o filho de Maria dos 13 aos 29
anos de idade. Lendas e histórias cultivadas na oralidade e transcritas
para livros antigos têm a resposta
Um homem sábio anda pelo mundo curando doentes e fazendo milagres
enquanto prega uma mensagem de paz e amor ao próximo. Parece familiar?
Bom, você não é o único que se lembrou de
Jesus.
Mas essa também é a história de Yus Asaf, curandeiro misterioso que
visitou a Caxemira no século 1. E também a lenda de Issa, andarilho que
estudou anos com sábios na Índia e no Tibete em busca da iluminação. Ou
de Apolônio e de um certo budista. Todos são personagens que viveram no
Oriente Médio na época de Cristo e têm biografias repletas de feitos
espetaculares e mensagens de sabedoria. São tantas semelhanças que há
quem acredite tratar-se todos da mesma pessoa. O que responderia um dos
grandes mistérios do
cristianismo, a chamada vida secreta de
Jesus.
Sim, há algo oculto na
biografia
do Messias. Ninguém sabe onde ele esteve e o que fez dos 13 aos 29
anos. O Novo Testamento só menciona seu nascimento e uma aparição aos 12
anos, quando ele discute teologia com sábios do Templo de Jerusalém.
“Depois disso, há um salto no tempo, e Cristo reaparece já com 30 anos
sendo batizado por João, antes de começar sua pregação”, conta o teólogo
Joel Antônio Ferreira, professor da Universidade Católica de Goiás.
A ausência de dados não surpreende os estudiosos da
Bíblia.
“Os evangelhos não têm uma preocupação histórica, pois foram escritos
para anunciar uma mensagem religiosa”, justifica o teólogo Pedro Lima
Vasconcelos, da PUC de São Paulo. Essa lacuna, no entanto, deu margem a
várias especulações, como a de que
Jesus
passou 17 anos peregrinando pelo mundo. No roteiro, teria visitado a
Índia, o Tibete, a China, a Pérsia (atual Irã) e países vizinhos. Alguns
defendem que ele chegou até mesmo ao Japão e à Inglaterra. Em cada
lugar, o Messias teria convivido com reis, sábios e homens santos de
antigas tradições, sempre em busca dos fundamentos e lições de outras
religiões e povos.
O pesquisador russo Nicholas Notovich, autor do livro A Vida Desconhecida de
Jesus,
foi um dos principais defensores dessa teoria. No século 19, ele
apresentou manuscritos antigos que narravam a vida de Issa, homem santo
que, “ao completar 14 anos, deixou a casa dos pais, em Jerusalém, e
partiu com um grupo de mercadores”. Notovich dizia ter encontrado os
documentos num mosteiro tibetano e defendia que aquele homem era
Jesus. Na opinião dos estudiosos da
Bíblia,
esse tipo de associação não faz sentido e deve ser encarada com muita
cautela. “As religiões da Índia diferem muito das que surgiram no
Oriente Médio. Logo, não tem fundamento relacionar
Jesus a essas lendas”, diz Vasconcelos. De fato, não existem provas concretas da vida de
Jesus, muito menos de todas essas histórias. Mas também não existem provas em contrário.
No rastro do Messias
Conheça alguns dos homens cuja identidade se confunde com a de Jesus
Yus Asaf, o curandeiro
No século 1, o andarilho Yus Asaf (“líder dos curados”, em persa),
percorreu o Oriente Médio, realizando milagres e curas semelhantes aos
de
Jesus.
Segundo essa versão, ele não teria morrido na cruz: aos 33 anos, teria
seguido para o norte da Índia, onde viveria até os 120 anos. Seu suposto
túmulo, em Srinagar, atrai peregrinos até hoje.
Origem: Caxemira.
Fontes: Tahrik-i-Kashmir (“História da Caxemira”) e a escritura hindu Bhavishya Mahapurana.
Quem acredita: seguidores da seita ahmadi, uma corrente do islã, e alguns adeptos do hinduísmo.
Apolônio, Da Capadócia
Lendas e livros antigos contam que Apolônio foi concebido pelo
Espírito Santo, nasceu de uma virgem e partiu jovem para conhecer o
mundo. Controlava as leis da natureza, curava doentes e conseguia até
evitar guerras. Apesar das coincidências, seu nome era Apolônio, da
Capadócia (atual Turquia). Morreu em Éfeso, aos 100 anos. Só faltou ser
na cruz.
Origem: Capadócia (atual Turquia).
Fontes: A Vida de Apolônio, livro do século 3.
Quem acreditava: pagãos do Império Romano.
Um botisatva budista
Uma lenda indiana diz que, para salvar
Jesus
da perseguição do rei Herodes, seus pais foram para o Egito. No
caminho, ele teria convivido com budistas em Alexandria. O contato de
Jesus
com o budismo também está em A Vida de São Issa. Escrito no século 2, o
texto fala de um profeta de Jerusalém que estudou num mosteiro do
Nepal. Até hoje, budistas consideram
Jesus um botisatva, “homem iluminado”, em sânscrito.
Origem: Egito, Índia e Tibete.
Fontes: A Vida de São Issa.
Quem acredita: alguns budistas.
Issa, o profeta
O Alcorão conta que o filho de Maria nasceu num dia de sol, na sombra de uma tamareira. Nesse livro,
Jesus é conhecido como Issa, profeta da linhagem iniciada por Abraão e concluída por Maomé. Nessa versão, o suposto
Jesus
também não morre na cruz. “Não sendo, na realidade, certo que o mataram
nem o crucificaram, mas o confundiram com outro”, diz o versículo 157,
da 4ª surata.
Origem: Oriente Médio.
Fonte: Alcorão.
Quem acredita: muçulmanos.
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